sábado, 4 de agosto de 2012

Comida de rua



     Nas regras básicas de harmonização os alimentos podem combinar através da semelhança, o amargor do chocolate com o amargor do café num cappuccino abrasileirado, ou por contraste, a doçura do ketchup contrasta com o salgado da batata frita, o que realça o sabor dos dois alimentos.  Distinguir e analisar essas harmonizações são deixados para os profissionais, mas perceber faz parte do prazer, e da felicidade do cotidiano. Digo isso para analisarmos juntos uma das mais famosas harmonizações, que a satisfação já descobriu: o PASTEL e a GARAPA, a untuosidade que vem da fritura do pastel contrasta com a doçura da cana e a acidez do limão na garapa, a diversidade de texturas brincam na boca, a crocância do pastel, a maciez do recheio e a voluptuosidade do caldo de cana.
     Talvez tenha exagerado, mas são pequenos prazeres como comer um pastel na feira que deixam a vida mais feliz, e que está em extinção. Licenças para barracas de rua não são mais liberadas em São Paulo, e o número de acarajés, pamonhas, churros, yakissobas, comidas que fazem parte da cultura paulistana estão desaparecendo. Tom kime, renomado chef e autor de livros, diz “Nos países ou regiões famosos pela culinária, é impossível separar comida e sociedade. A comida de um lugar é a liga que une a identidade, a história e o contexto social de uma população.” Comida de rua é a gastronomia popular, é um dos fatores que nos fazem paulistanos, paulistas, brasileiros.  Que muitas vezes é deixada de lado e menosprezada, mas pode ser tão boa quanto muitos restaurantes na cidade.
     A virada cultural mostrou essa necessidade de uma gastronomia acessível. Trazer os chefs para a rua, não foi uma busca de retomar as raízes da comida de rua, foi mais uma maneira de trazer uma comida gastronomizada para o público geral, como a Restaurant Week que tinha como objetivo, a principio, de popularizar a alta gastronomia, mas o conceito acabou se perdendo e hoje é um veículo de propaganda para restaurantes.
    A alta demanda nos eventos de comida de rua mostra que o paulistano tem interesse em eventos gastronômicos, tem interesse na diversificação da comida, busca novas experiências, mas também querem algo pelo que possam e seja justo pagar. A comida ambulante possibilita a diversificação da gastronomia de forma que todos os públicos possam ter acesso, a ausência de aluguel, a redução de funcionários permite um preço mais baixo que de restaurantes, mas não prejudicam a qualidade. Carrinhos e até vans são comuns e bem aceitos em muitos lugares no mundo, uma nova tendência são vans personalizadas que servem comida boa, com técnica a preços mais baixos que os restaurantes. A execução dessa gastronomia não é possível em São Paulo, devido à burocracia do governo.
     O que podemos fazer? Votar em quem apóia a liberação da comida de rua e a diversidade gastronômica e acessível. Enquanto não conseguimos mudar as regras, continuar aproveitando os pontos que já tem alvará, e freqüentar aqueles que se arriscam em produzir e alimentar os paulistanos nas ruas da cidade.



sexta-feira, 22 de abril de 2011

Hoy exquisita fanesca

Depois de Manaus, peguei um barco até Tabatinga, uma cidade brasileira que faz fronteira com a Colômbia, de um lado Tabatinga e do outro a colombiana Letícia, as cidades sobrevivem do turismo da Amazônia, a maioria dos turistas são mochileiros porque as cidades não tem estrutura para receber turistas mais exigentes, são cidades fronteiriças típicas, meio terra de ninguém, meio terra de todo mundo. De Letícia voei até Bogotá, capital da Colômbia, fria e cheirosa, mas essa é história para outro post. De Bogotá 25 horas de viagem para uma das cidades mais bonitas que já vi, com ruas históricas, prédios modernos e banhada pelo mar do caribe, Cartagena, sua energia faz parecer que sua existência basta, e que não precisamos de mais nada do resto do mundo e a cidade tem uma personalidade própria. De Cartagena voei até Cali, cidade industrial sem muito charme, passei o dia lá e peguei um ônibus de noite com destino a Quito, capital do Equador, e é dessa que eu vou contar hoje.
Viernes Santo, assim que chamam a sexta-feira Santa, uma data importante em todos os países católicos, principalmente os latino americanos, e com a ideia de sacrifício os costumes culinários mudam. O sacrifício para o paladar seria o de não comer carne, então para nós brasileiros é dia de bacalhau (e que sacrifício!), para os equatorianos o sacrifício de viernes santo também é o oposto do que deveria ser, uma sopa quentinha com vários tubérculos (as mais diversas batatas da região) e vários tipos de favas, um pedaço de queijo, ovo cozido e peixe(normalmente corvina),  o nome dessa divindade é fanesca.
Eu caí aqui felizmente na semana santa experimentei não só esse prato típico, mas a experiência do ritual da sexta feira santa em Quito. A cidade se prepara desde cedo para assistir a procissão, que começa na Igreja de São Francisco e percorre o centro histórico durante 3 horas até voltar para o ponto inicial, famílias, jovens, senhores, devotos e turistas se acomodam nos melhores lugares na rua que passará a procissão. Isso porque a procissão não é apenas pessoas fazendo penitências, aqui ela é teatral, com vários “Cristos” segurando cruzes, los cucuruchos, homens com capuzes fazendo penitência, andando e alguns até se autoflagelando, e senhores enchendo as ruas com música saindo de seus instrumentos de sopro. Então os devotos rezam junto a procissão, seguram velas acesas nas mãos e como os turistas também tiram fotos e tudo se torna um evento na cidade.
Como saco vazio não para em pé, após a procissão vem o almoço. Casas que antes serviam almuerzos, deixam de servi-los para colocar como prato único a Fanesca, com acompanhamentos como purê de batatas e arroz de leite, com o cartaz na porta “Hoy exquisita fanesca” que já deixa claro que o antes sacrifício da semana santa de não comer carne se transformou num ritual prazeroso, mesmo sem carne. Alguém interpretou a parte que dizia que devia se fazer jejum de carne, como comer pratos deliciosos de peixe. Substanciosa e deliciosa a Fanesca completa o ritual da viernes santo em Quito, depois de um quase show que é a procissão, uma sopa quentinha para confortar do frio e começar o feriado.

Fotos depois.

sábado, 2 de abril de 2011

Manaus




Despeço-me de Belém com muita alegria e um pouco de desespero, nada foi como o esperado porque afinal não tem como imaginar o que “esse país chamado Pará” tem a oferecer, saio com a impressão de que podia ter visto mais, de que fiz pouco e que mais um ano aqui não seria suficiente, talvez só uma vida me satisfizesse. Mas saio também com a certeza de que o pouco que vi entrou na minha vida e mudou minha forma de ver o mundo. Entre tanta beleza natural, diversidade de ingredientes, a simpatia do povo e do cotidiano que me surpreendia a cada dia, só tenho a agradecer, e sem mais delongas. Continuo minha saga, agora rumo a Manaus, mas dessa vez por pouco tempo.
Cheguei a Manaus ás 5 horas da manhã de ontem, deixei minha mala no albergue e fui direto para o mercado municipal! Em busca de um café da manhã amazonense. Cheguei lá e na ansiedade acabei não notando a tapioca com lascas de tucumã, então tomei um café com leite e um bolo de milho, quando eu ia levantando a moça da barraquinha me ofereceu água e a água durou mais de uma hora! Nesse tempo fiquei vendo o movimento, sem cardápio a barraca servia pão com queijo qualho ou prato, presunto ou picadinho, tapioca simples, com manteiga ou com tucumã, farofa (farinha, arroz, carne de panela), salgados, café, leite, chocolate, sucos de graviola, acerola e maracujá, em duas cozinheiras. Serviam numa organização, rapidez e atendimento que milhares de restaurantes em São Paulo não conseguem com 10x mais funcionários. Fiquei admirada e apaixonada. Atrás da barraca, dentro de um mercado, um homem desossava 3 porcos inteiros (que para mim é demais), no meio do corredor, com a delicadeza e ao mesmo tempo agressividade que só um açougueiro pode ter .

Ileuva dos Santos Santos e sua barraca de Café da Manhã, e atrás o mercado Adolfo Lisboa.


 Dei uma volta na Manaus Moderna, uma feira coberta, gigantesca. O ver-o-peso tem variedade, mas a feira daqui é enorme, o que faz com que cada produto tenha mais valor. Vi transformarem fécula de mandioca em goma, vi quantidades enormes de pimentão, farinha, tucumã! Vi homens levando os sacos de mandioca com o dobro do peso deles, tratando-as como o respeito que deveriam ser tratadas uma dessas iguarias. Vi mais peixes na peixaria do que num especial de peixes no Animal Planet, vi o paraíso das carnes secas, quantidades perfeitas de carne e gordura numa só peça. Me apaixonei pela feira, pelo porto, por tudo! Depois almocei Peixe na Brasa ali perto do mercado. Voltei ao albergue para fazer check-in e tomar um banho, voltei também com cheiros, cores e sabores que nunca mais vou esquecer.

sábado, 26 de março de 2011

Frutas

Ontem o Globo repórter teve como tema alimentos orgânicos, seus benefícios, o mal que os agrotóxicos fazem na nossa alimentação e doenças que eles podem causar. Considerando os grandes malefícios e benefícios dos alimentos a principal questão é: Quantas frutas você comeu hoje? Essa semana? Quantas porções de verduras você come por dia? Quantos tipos de frutas você come por dia?
De que adianta falarmos em frutas e vegetais orgânicos se nem os com agrotóxicos estão tão presentes nas nossas vidas.  Eu vim para o Norte conhecer matérias primas brasileiras que nós simplesmente não sabemos da existência, e nem procuramos saber. Frutas, legumes, verduras que são de nós brasileiros e que europeus conhecem muito melhor do que nós. Em São Paulo fui procurar por uma semente chamada Cumaru (com aroma semelhante ao de baunilha), originária da Amazônia, mas impossível de se encontrar em mercados na maior cidade do Brasil, quando fui procurar na internet achei que essa semente já era usada há tempos no mercado de chocolates na França e na Suíça. Isso acontece com uma semente, mas com frutas (que são mais fáceis de ser consumidas do que sementes) acontece o mesmo, como é o caso do açaí, patenteado em 2003 por japoneses, antes mesmo de ser conhecido em todo Brasil (talvez exatamente por não ser conhecido em seu próprio país),  depois da moda do açaí no mundo a patente foi reivindicada, e o açaí volta para o Brasil em 2007, o açaí tem sites informativos até na França (http://www.acaiberryfrance.com/) , mas há  pouco tempo mal se conhecia ou consumia ele fora do norte do país.
Falo de frutas desconhecidas, mas presentes em nosso território e falo de abacaxi, acerola e goiaba. Todos conhecem, mas poucos consomem, tomar Tang de graviola não é consumir a fruta, é muito longe disso. Há não muito tempo eram comuns sucos de frutas na mesa e sobremesa de frutas em compota e cremes de frutas, hoje o refrigerante tomou o lugar dos sucos, e tortas e bolos a base de leite, gordura e chocolate tomaram o lugar das frutas. No dia-a-dia é cada vez mais difícil encontrar quantidades significativas de vegetais e legumes nas refeições, talvez uma ervilha enlatada misturada no arroz ou uns brócolis descongelados refogado com alho.  E mesmo com o slogan de 20 saladas diferentes do buffet por quilo na esquina do trabalho, a cenoura ralada no prato não consegue competir com as bolinhas de queijo fritas.
O globo repórter já deixou claro que comidas orgânicas são mais saudáveis, mas não serão substitutas de outros vegetais, serão substitutas de tortas holandesas, batata frita, bolinho de arroz. Se for para mudar que troque as tortas de frango por saladas orgânicas, e não só aquele único pé de alface que é consumido por semana, por um outro único pé de alface orgânico.
E se a troca não for apenas pela moda dos orgânicos? E se a troca for também por causa de nutrientes, pela descoberta de novos sabores e pela valorização da comida brasileira? Minha troca foi a segunda opção, vim para o norte buscar isso. Cupuaçu, açaí, bacuri, pupunha, taperebá, tucumã, muruci, ingá frutas orgânicas com altos teores de vitaminas e de origem e cultivo brasileiro. Que não são mandadas para outros estados do Brasil por falta de mercado, mas que são exportadas como polpa ou para medicamentos a base de elementos naturais.
Em grandes cidades brasileiras é possível achar algumas dessas frutas em polpa para suco (ótimo modo de começar a consumi-las), em cidades menores há produtores menores com frutas e legumes da região, e normalmente mais saborosos, procure em feiras na cidade e fuja um pouco dos supermercados. Na busca de sabores novos, as sorveterias tabém são uma boa, a paraense Cairu já está no Rio de Janeiro( Rua Adolfo Bergamini, 149 Lj A – Engenho de Dentro), em São Paulo, Brasília e outras cidades tem a Frutos do Cerrado que agora chama Frutos do Brasil .
Aproveitando o assunto de frutas  essa quarta tem o lançamento do livro Frutas da Amazônia de Silvestre Silva, para quem quer dar uma olhada na diversidade imensurável que tem esse nosso país.


Mas lembrem de que sempre existe vitaminas de proteína, Centrum e para continuar com os mesmos sabores, sem muitas aventuras Mc Donalds.

sábado, 12 de março de 2011

Onde come um, comem seis

Dona Luiza veio a Belém passar uns dias, acordei cedo e ela já estava preparando o almoço. Molhando a carne para descongelar, jogando água fervendo em cima da carne, tudo que eu aprendi a não fazer na faculdade de gastronomia, qualquer um dos meus professores surtaria vendo um negócio desses, mas quem sou eu para questionar exímia cozinheira Dona Luiza, responsável pela maniçoba que faz metade de Capanema delirar, então eu só observei, como uma boa aprendiz.
Normalmente almoça só eu, a Alana e Dona Luiza, mas hoje tivemos companhia. O irmão de Alana estava de folga do trabalho e veio almoçar com a gente, Alana ainda não tinha chegado em casa quando uma amiga sua bate na porta, a Karina, que trabalha por perto e sabia que Dona Luiza estava em Belém, e veio almoçar também. Quando fizemos nossos pratos a Alana  chegou com Lorena, outra amiga. Dona Luiza parece adivinha, tinha comida para todo mundo, só não tinha lugar para sentar, mas isso é o de menos, na mesa, no sofá e em pé na cozinha, todos comeram felizes.
O cardápio? Uma coisa que não contei ainda é que Dona Luiza não é paraense, ela é paraibana. Mas veio pro Pará com 19 anos para casar, ficou e hoje diz que não quer mais voltar e que adora esse estado. Meio paraense, meio nordestino o almoço teve charque (carne seca) na manteiga, cozido de carne, caldinho de feijão, farofa e seu famoso feijão com jerimum. Tudo de lamber os beiços, colocando a técnica gastronômica no chinelo.
    O que sobrou do Charque na manteiga

Fiquei pensando o que faz uma pessoa se dedicar tanto a cozinha, acordar cedo para fazer o almoço, deixar de fazer “suas coisas” para cozinhar ou fazer da cozinha “suas coisas”. Ainda não sei bem ao certo, talvez seja a paixão pela comida e por sevir, e como toda paixão louca ou normal não tem explicação. Por enquanto só agradeço por existir pessoas tão apaixonadas por essa arte que transformam momentos do dia-a-dia, em eventos extraordinários.
Alex, Dona Luiza e eu, na cozinha

quarta-feira, 2 de março de 2011

Peixe frito com Açaí

Dizem que no interior do Pará não se come sem farinha e açaí. Um colega meu daqui preparou o almoço, fez arroz, feijão, bife e com o prato já feito viu que não tinha farinha, ele então largou o prato foi comprar farinha e me contando essa história disse que sem farinha ele não almoça. Aqui eu já comi açaí com açucar e farinha de tapioca, que parece uma pipoquinha, e hoje comi açaí com peixe frito.
Fui ao Ver-o-peso com essa intenção, almoçar açaí. Cheguei lá e procurei a barraquinha mais cheia, que normalmente são as melhores ou mais baratas e sentei, tentei fingir que era nativa, mas a moça que servia percebeu, acho que porque eu olhava para o lado pra ver como os outros comiam, se jogavam o açaí no peixe, se tomavam direto da cumbuca. Eles comem assim, alguns colocam açúcar no açaí outros não, alguns colocam gelo no açaí outros não e todos colocam limão no peixe, comem o peixe e tomam açaí com a colher intercalando, mas sem misturar no prato. Nove reais por uma tigela de açaí, um peixe frito, farinha de mandioca e gelo. O que achei interessante é que nos PFs (prato feito) que comi aqui tinha sempre uma jarra de água e um potinho de palito, para palitar os dentes (todos palitam os dentes, gente nova, velha, homem, mulher).
Almoço seguido de muita chuva, depois muito sol. Belém é a cidade com o clima mais previsível que eu já vi, todo dia faz sol e a tarde chove, de vez em quando chove o dia todo, então é torcer para que os canais não subam, e os dias que não chovem são raros, assim como os que não fazem sol. É só olhar para o céu para saber a previsão das próximas horas. O ar é limpo e o clima é bom, e nessa vida de marinheira, onde é doce o meu lar, deixo vocês com  imensidão e o mar de agua doce (paisagem de trás do Ver-o-peso).